O contribuinte que deixa de recolher tributos, seja por fraude ou dificuldades financeiras, poderá ser criminalizado mesmo que tenha parcelado o montante que deve ao fisco ou esteja com processo administrativo em andamento, caso seja aprovado sem alterações o projeto de reforma do Código Penal, editado em 1941, que tramita no Senado Federal. O alerta foi dado ontem pelo advogado especializado em Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Renato de Mello Jorge Silveira, durante reunião do Conselho de Altos Estudos em Finanças e Tributação (Caeft), da Associação Comercial de São Paulo. De acordo com o advogado, o Projeto de Lei do Senado nº 236/2012 veda a concessão de parcelamentos tributários, a extinção da punibilidade e também abre brechas para punir o contribuinte que elabora planejamentos tributários a fim de pagar menos impostos. "O texto destrói toda a jurisprudência firmada em 20 anos e tenta fazer Justiça Social com o Direito Penal", criticou.
Para uma platéia formada por advogados e economistas que integram o Caeft, o especialista explicou que o relatório apresentado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT), com quase 500 páginas, confere um poder exagerado "na caneta de juízes e promotores, aumentando a insegurança jurídica para os contribuintes". Ele disse que o projeto é resultado da compilação de todas as leis e cerca de 144 projetos em tramitação no Senado propondo alteração no Código Penal. "E foi apresentado como uma novidade", afirmou. O que mais preocupa, assinalou, é o fato de o senador Pedro Taques ser um ex-integrante do Ministério Público Federal e favorável à extinção da punibilidade em casos específicos. "O texto mostra uma total falta de conhecimento da nossa realidade tributária", completou.
O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, também defendeu uma manifestação ostensiva contra a proposta. De acordo com ele, a extinção da punibilidade surgiu justamente diante da perspectiva positiva de ressarcimento dos cofres públicos. "No passado, eram inúmeros os casos de sonegadores que manifestavam a vontade de pagar o que deviam, mas não o faziam por medo de serem presos", lembrou. Sem qualquer alteração no texto, corre o risco de ser punido até um contribuinte que recebe um auto de infração improcedente.
Não é a primeira vez que se discute no Brasil a atualização do Código Penal, que sofreu uma grande reforma em 1984. De lá pra cá, foram feitas pelo menos cinco tentativas. O último movimento de revisão da legislação começou em outubro de 2011. Na ocasião, foi instalada a comissão especial de juristas que apresentou anteprojeto com 543 artigos, em junho de 2012. O documento resultou no PLS 236/2012, subscrito pelo então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O prazo final para a conclusão dos trabalhos é 16 de dezembro. Depois de ser votado pela comissão temporária, o Projeto de Lei seguirá para deliberação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Polêmico, o texto já recebeu mais de 800 emendas.